O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o atraso de dois a três dias na quitação dos valores relativos às férias não gera ao empregador a obrigação do pagamento dobrado. Por 15 votos a 10, o colegiado entendeu que impor a condenação por atraso considerado ínfimo atenta contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Um auxiliar técnico industrial da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL) narrou, em reclamação trabalhista, que entre 2010 e 2014 recebeu os valores apenas no primeiro dia efetivo de férias. O mesmo argumentou que a prática contraria o disposto no artigo 145 da CLT, que define que o pagamento deve ser efetuado até dois dias antes do início das férias, pedindo a aplicação da sanção prevista na Súmula 450 do TST, que considera devido o pagamento em dobro da remuneração das férias, ainda que usufruídas na época própria, quando o empregador tenha descumprido o prazo previsto na CLT. Ou seja, de acordo com a Súmula 450, mesmo que o trabalhador tenha recebido o valor referente às férias dentro do perído de recesso, o pagamento deve ser dobrado se não respeitado o cumprimento do prazo pelo empregador.
Em sua defesa, a Imbel sustentou que, como empresa estatal, dependia de dotação orçamentária, que somente ficava disponível no primeiro dia de cada mês. Argumentou ainda, que o artigo 145 da CLT não estabelece multa pelo descumprimeito do prazo.
Histórico de decisões
O juízo da Vara do Trabalho de Lorena (SP) condenou a Imbel ao pagamento em dobro apenas dos dois dias de atraso, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) estendeu a dobra a todo o período de férias. Segundo o TRT, o pagamento antecipado tem a intenção de preservar o direito do trabalhador de melhor usufruir os dias de descanso.
Ao julgar recurso de revista da Imbel, a Oitava Turma do TST excluiu a condenação, por entender que o atraso ínfimo de dois dias não deve implicar a aplicação da sanção. O trabalhador, então, interpôs embargos à Subseção I Especializada em Dissídios Coletivos (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas do TST. Em novembro de 2018, a SDI-1 decidiu remeter a questão ao Tribunal Pleno.
No Pleno, dois entendimentos em relação à Súmula 450 foram levantados. Ao estabelecer a sanção, sua edição baseou-se no artigo 137 da CLT, que prevê o pagamento em dobro quando as férias forem concedidas fora do prazo previsto no artigo 134 (dentro dos 12 meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito).
No julgamento, prevaleceu o voto do relator, ministro Ives Gandra Martins, que observou que a sanção da Súmula 450 decorre de uma construção jurisprudencial por analogia, ou seja, não há um dispositivo legal que a imponha nos casos de atraso no pagamento. “Normas que tratem de penalidade devem ser interpretadas restritivamente, levando-se em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a que o descumprimento apenas parcial da normal não enseje penalidade manifestamente excessiva”, afirmou.
Ele observou, ainda, que a edição da súmula se baseou em precedentes que tratavam apenas do pagamento após as férias, situação que frustrava seu gozo adequado, sem o aporte econômico. No caso da Imbel, no entanto, o que se verifica, a seu ver, é que a praxe da empresa era a do pagamento das férias coincidindo com o seu início, “hipótese que, além de não trazer prejuízo ao trabalhador, acarretaria enriquecimento ilícito se sancionada com o pagamento em dobro, sem norma legal específica previsora da sanção”. Com esses fundamentos, o relator votou por se dar interpretação restritiva à Súmula 450, para afastar sua aplicação às hipóteses de atraso ínfimo.
Para a corrente divergente, aberta pelo ministro José Roberto Pimenta, o prazo de dois dias deve ser cumprido e, em caso de atraso, é devida a compensação, não importando se o pagamento foi feito fora do período ou com atraso de poucos dias. Segundo o ministro, a Súmula 450 “foi ampla, genérica e taxativa, não admitindo, portanto, atrasos no pagamento”. Ele sustentou, também, que a discussão transcende a questão de contrariedade à súmula, atingindo o disposto na Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que disciplina que as quantias devidas deverão ser pagas antes das férias.